Eu
nasci ouvinte, segundo relatos dos familiares. Desde pequenina eu era muito
atenta aos sons, principalmente aos sons que vinham lá em baixo da ladeira da
cidade de Catas Altas-MG, que eram do padeiro e confeiteiro gritando:
-
Quem quer biscoito!!?? / Olha o pastel!!
E
eu corria para a janela dizendo:
-
Qe qé bicoito / Ao papel! :) Estas
lembranças sonoras, dentre outras, marcaram a minha família, elas são a prova
de que eu ouvia.
Sou
a primogênita e nasci em
Belo Horizonte-MG, mas meu primeiro lar foi em Catas Altas-MG, uma
cidade belíssima, bucólica, ecológica, e que faz parte da Estrada Real. Cresci
em meio a natureza, sempre em contato com os animais (AMO MUITO!), com a água
das cachoeiras, com o verde que sempre me embalou e trouxe pureza a minha vida.
Minha
casa vivia cheia de amigos e parentes, eu e meu irmão Pedro éramos sempre
paparicados e amados por todos. Pelas fotografias eu vejo que foi uma época
muito gostosa, festiva, de muita união.
Minha
surdez aconteceu na mesma época que meus pais estavam se separando, assim como
também aconteceu a doença renal do meu irmão Pedro. Parece que foi um efeito
dominó de coisas ruins. Eu tinha 1 ano e 7 meses mais ou menos, segundo minha mãe.
MAS,
a descoberta da minha surdez aconteceu quando eu tinha um pouco mais de 2 anos de
idade. E quem mais desconfiava da minha perda desde o início foi o meu avô Antônio,
o vovôzão! Segundo relatos, a gota d água foi quando o meu avô me chamou várias
vezes e eu de costas não esboçava uma reação. Aí ele aproximou-se de mim por
trás e bateu os pés fortes no chão, eu reagi imediatamente! A partir dali fui
diagnosticada com surdez profunda bilateral. A esta altura do campeonato meu
pais já estavam separados e eu estava morando na casa dos meus avós maternos em Belo Horizonte-MG.
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Eu e meu vovôzão em Alcobaça-BA |
Vocês
devem estar se perguntando agora: Mas por que eles só descobriram bem depois a
sua surdez?? Então, segundo relatos familiares, eu já falava um pouco antes de perder a
audição e mesmo quando a surdez veio, a minha fala não "alterou". Apenas minhas
reações mudaram. Eu olhava mais para os lábios e lia os lábios desde pequenina.
Ou seja, desde pequena eu já buscava outros estímulos. Até vir a confirmação da minha surdez,
reinavam apenas desconfianças se eu estava apenas fingindo não escutar ou eu
estava de fato ficando surda.E após o diagnóstico, todos foram ligando os fatos até chegar na idade aproximada da minha perda auditiva. A causa não foi precisa, haviam três possibilidades: medicamentosa (antibiótico Ilosone), infecção nos ouvidos e garganta e uma queda (mamãe caiu comigo no colo e bati a cabeça). A causa mais provável era a medicamentosa que causou um possível atrofiamento dos meus nervos auditivos. Minha família e eu passamos a minha vida quase toda crendo nessas possibilidades mais prováveis.
Minha
família materna e paterna são numerosas, e sendo eu a primogênita (filha, neta e
sobrinha), todos me paparicavam, fui cercada de muito amor. Recebi muitos estímulos através da família.
Minha mãe, avós e tias são da área da educação (professoras) e esse também foi
o diferencial na decisão da escolha da escola regular por onde estudei por anos (Instituto Montessori Criança Feliz - em Belo Horizonte) e fui
muito bem assistida e feliz. Sempre estudei em escola regular, na mesma turma
que os ouvintes e não aprendi a
LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais,tampouco necessitei dela. Aliás, minha mãe sempre foi a favor da minha oralização. Na época, as
escolas “especializadas” em surdos misturavam surdos com deficientes mentais na
mesma sala. AINDA BEM que minha mãe me poupou disso. Pois imagino eu, que se eu
tivesse sido matriculada neste tipo de escola, eu com certeza não seria a
pessoa que sou hoje: independente, extrovertida, sociável, observadora, esperta
e MUITO TAGARELA,rs (tenho sangue baiano, puxei a vovó Clara). Sou totalmente
oralizada, graças a Deus e a minha família!
Iniciei
o acompanhamento fonoaudiológico dos 4 anos até os 10 anos de idade com uma
maravilhosa profissional, a Zélia Miranda. Ela além de ter todo o tato e
sensibilidade de me desenvolver e preparar para o mundo, se tornou uma grande
amiga. Praticamente me adotou como parte da família dela na época. Eu a amo muito! Ai, bateu saudades dela agora! :) Devo muito a ela pelo meu progresso. Foi através dela desde pequena que aprimorei a minha leitura labial, a minha percepção do mundo ao redor, a minha fala. O amor dela por mim fez tamanha diferença na minha vida.
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Eu e mamãe |
Devo
MUITO a Deus por tocar e preparar toda a minha família para me guiarem no
caminho certo. Sou uma surda totalmente oralizada, usuária da língua portuguesa
e possuo uma ótima leitura labial. Claro, vindo de uma família de tagarelas
natos, não era de se esperar outra coisa, hehehe. Minha família foi e ainda é minha maior aliada no meu progresso da fala e de vida! E também sou eternamente
grata pela fonoaudióloga Zélia Miranda, pelo maravilhoso trabalho, sensibilidade,
profissionalismo e amizade comigo, atributos que trouxeram ótimos resultados na
minha vida. Deus em sua infinita misericórdia
me proporcionou uma vida tão abençoada. Ele me deu forças para encarar todos os
obstáculos do preconceito (especialmente na infância que não foi fácil), das
dificuldades, adversidades e principalmente aos desafios da vida. Louvo a Ele
por tudo, todas as dificuldades que tive e ainda tenho no caminho, pois são
através delas que busco a minha edificação. Eu adoro desafios, pois eles só me
trazem uma certeza: aprendizado e superação!
Tenho
32 anos e sou uma eterna aprendiz de girassol! :) A luz é a minha direção. Aguardem as próximas postagens.